quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Artigos e Opiniões


Mindlin e a paixão pelos livros


José Mindlin
Não posso falar simplesmente do meu gosto pela leitura, porque em matéria de livros meu caso é muito mais grave; é um amor que vem desde a infância, que me tem acompanhado a vida inteira e é incurável. Não se trata, portanto, de um interesse periférico, e o prazer que tem me proporcionado faz com que eu procure, permanentemente, levar mais pessoas a também desfrutá-lo. Daí eu aproveitar qualquer oportunidade para inocular o vírus de amor ao livro em todos os possíveis leitores.

O prazer que um livro pode proporcionar tem múltiplos aspectos e abre horizontes ilimitados; no entanto ainda é mais fácil promover a leitura na infância do que na juventude ou na idade adulta, uma vez que a televisão e a internet absorveram a maior parte do tempo vago das pessoas. Isso é uma pena, pois a concentração provocada pela leitura, desperta muito mais a imaginação e a criatividade do que a imagem fugaz de uma tela ou as informações facilitadoras da web. O que quero dizer é que tanto a televisão como a internet têm o inconveniente de vir como prato feito, não exigindo criação, reflexão ou análise, ao passo que um livro pode desencadear um processo mental bem menos efêmero, indo muito além de ser um instrumento essencial de informação.

Se o livro, antes da televisão e do computador, atingia um número limitado de pessoas, o fato é bem mais preocupante em nossos dias, mas um esforço em favor da leitura ainda pode dar bons frutos.

O livro transmite pensamentos, traduz emoções, estimula a imaginação e o sonho, permite que nossas vivências cotidianas se transformem em um mundo cheio de encantos e seduções, dando à vida um sentido intelectual e espiritual de inestimável valor. O romance, a poesia, o drama e a comédia, permitem ao leitor identificar-se com personagens ideais, amparar suas angústias e inquietações.
Poder-se-ia dizer que tudo isso também pode ser proporcionado pela televisão, mas a imagem dos modernos meios de comunicação é fugidia, ao passo que o livro, companheiro de todas as horas, tem uma facilidade de acesso e de uso insuperáveis.

Também os pensamentos filosóficos, científicos ou a evolução política não seriam possíveis, se o que se pensou ou se estudou no passado, não tivesse sido fixado em livros, transmitindo o conhecimento de geração a geração.
Reconheço que o perigo da obsolescência existe e deve ser combatido, mas os livros e os outros meios de comunicação não são, necessariamente, excludentes e o prazer da leitura deveria ser proclamado por todos os meios e modos, especialmente pela assim chamada midia, que com isso pagaria boa parte de seus pecados.

Atualmente, o mercado editorial brasileiro satisfaz todos os variados interesses que mencionei acima. As tiragens ainda são restritas e a distribuição precária, mas o número de edições não é pequeno, alcançando cerca de 2000 títulos mensais e a publicação de autores brasileiros novos e consagrados cresceu consideravelmente. O que falta, portanto, é antes de mais nada difundir a idéia de que a leitura é uma fonte de prazer, não um encargo ou uma amolação. Depois, ampliar o número de pontos onde se possa ter acesso ao livro, não apenas através de um maior número de livrarias, mas, principalmente de um maior número de bibliotecas.

Vivemos, em nosso país, uma situação peculiar onde o número de editoras ultrapassa o de livrarias. A situação fica ainda mais precária se considerarmos que, ao se contar as livrarias, cerca de 1500, inclui-se neste número postos de venda onde o produto principal não é composto de livros mas de artigos de papelaria, presentes e até mesmo armarinhos.

No que se refere às bibliotecas, tem havido um esforço por parte dos governos estadual e federal na instalação de novos centros, mas ainda existem no país pelo menos centenas de municípios sem biblioteca ou, quando as têm, sem pessoal qualificado que lhes garanta um bom funcionamento.

Minha experiência em matéria de leitura, começou um pouco tarde, pois só aprendi a ler com sete anos, mas procurei, e acho que consegui, recuperar o tempo perdido. O que não consegui, nem quis, foi estabelecer uma leitura metódica, com objetivos determinados. Fui sempre um leitor indisciplinado, achando que o livro foi feito para nós e não nós para o livro. Portanto, sempre me bastou, para ler uma obra, que ela me interessasse, sem me preocupar se era importante ou não. Com isso, perdi certamente muito tempo lendo coisas de que nem sequer me lembro, mas não lamento pois na hora, provavelmente, senti prazer e consolidei o hábito da leitura. Nunca consegui acompanhar a opinião de Thomas Mann, de que a leitura dos bons livros deveria ser proibida, porque existem os ótimos. Em primeiro lugar porque o conceito de ótimo é muito relativo, e depois porque há muitas outras razões para se ler um livro, além de sua qualidade literária intrínseca.

É claro que há limites que não se consegue transpor. O principal é o tempo. Por mais que se leia, não se consegue ler tudo e uma certa seletividade se impõe. Mas cada um deve fazer suas própria escolhas, procurando não se ater a critérios rígidos, nem se considerar culpado por ocasionais desvios, passando de Flaubert a Asterix ou de Shakespeare a Stephen King. O mundo da leitura deve ser um mundo de liberdade intelectual. Dentro do que eu disse, espero que com o bom trabaho que Vivaleitura vem realizando, surjam muitos novos leitores.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo - Caderno 2

vivaleitura.com.br

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